A malta tem uma propensão inata para desenvolver manias, pequenas rotinas que se criam, não se sabe a que ponto da nossa existência, e que depois fazem parte do nosso dia a dia, tornando-se tão banais e tão normais para nós que não damos por elas. São por assim dizer, os nossos bugs. Mas o facto de não darmos por elas não significa que os outros não reparem nas nossas manias. Uma das minhas entretenhas é observar as manias alheias. Diverte-me olhar para os bugs dos outros e saber que afinal até sou um gajo normal. Tremendamente normal.
O meu vizinho do 3º esquerdo, por exemplo, tem a mania de ouvir música em altos berros, que acompanha a cantar (miseravelmente, aliás) depois de mandar uma queca na vizinha do 2º direito (que tem a mania de gritar «É só fumaça! É só fumaça! O povo é sereno!» sempre que atinge o orgasmo).
Já o dono da pastelaria ao lado tem a mania de dispôr todas a latas de refrigerante e de cerveja de cabeça para baixo, sendo incapaz de estar um segundo sossegado, agitando-se pela pastelaria num frenesim alucinado, de pano na mão, sempre a limpar/esfregar qualquer coisa de uma maneira vigorosa, como se tudo estivesse permanentamente sujo. Uma dia perguntei-lhe porque diabo estavam as latas todas viradas do avesso. «Por causa do pó.» respondeu-me, «Você gostava de meter a boca numa lata cheia cheia de pó?».
O homem da livraria, desde que se começou a falar da gripe das aves, tem a mania de usar luvas de cirurgia e aquela pequena máscara branca anti-contágio. Não se percebe nada do que ele diz, mas o homem insiste em ter aquele ar de que no minuto segundo vai entrar na mesa de operações.
Por isso, quando me pediram para falar das minhas manias, achei que eram perfeitamente desinteressantes, quando vistas à luz do que anda por aí. A minha normalidade até chateia. Ainda assim, não vou deixar este rapaz pendurado.
Sempre que vou ao hipermercado tenho a sensação de que os gajos me estão a analisar os padrões de compra com câmaras atrás das prateleiras dos produtos, e costumo gritar frequentemente «Podem saír! Já vos topei!!» para a segunda linha de embalagens na prateleira (é lá que eles têm as câmaras!).
Quando participo em conversas que me interessam, costumo fixar a orelha esquerda de quem está a falar e acenar a cabeça afirmativamente, repetindo de tempos a tempos «Marco Bellini é que sabe. O segredo está na massa.» Quando a conversa não me interessa, olho para o lado e canto, mais ou menos gritando, «The hills are alive!» numa alusão desinteressada à «Música no Coração».
Sempre que bebo vodka tenho a mania de a gargarejar inicialmente ao som de Piaf (gosto particularmente da entoação que dou à «La Vie en Rose») e só depois é que a bebo. Já me mostraram muitas vezes a porta da rua à conta disto, mas é mais forte que eu.
Sempre que me apresentam alguém tenho uma imensa vontade de lhe beijar as bochechas e de perguntar se alguma vez considerariam o botox. Normalmente contenho-me e não faço nada, mas custa-me imenso. Quando me apresentam mulheres de decotes generosos tenho a tendência de falar à vez para cada uma das mamas, virando a cabeça para a direita ou para a esquerda, dependendo da mama para que estou a falar.
Como vêem, as minhas manias não são nada de relevante, e passam perfeitamente despercebidas. Sou aterradoramente normal. Uma seca.
27 de fevereiro de 2006
A Razão das Manias
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário