28 de abril de 2006

A Razão da Festa de Casamento

festa de casamento
Tenho um problema com as festas de casamento. Primeiro porque não percebo porque raio dois seres acham que o facto de terem decidido viver juntos «para o resto das suas vidas» constitui motivo de celebração, e depois por todos os rituais bacocos que envolvem a festa, e que fazem com que as festas de casamento se assemelhem às bolas de ténis: quem vê uma vê todas. E por isso mesmo, sempre que vou a um casamento é como se estivesse a ver pela enésima vez o mesmo filme, só mudando os locais de filmagem, e claro, as personagens.
Ao longo de anos como convidado de festas de casamento criei uma pequena check list virtual que uso para me entreter e passar o tempo em cada celebração matrimonial. Como o argumento é sempre igual de festa para festa, a check list é dolorosamente implacável a assinalar «os pontos altos» de cada uma.
Não pretendendo ser exaustivo (a minha lista é verdadeiramente longa e diversificada, ombreando com qualquer modelo de análise multivariada) vou partilhar convosco os items mais comuns:

Na Igreja
Para quem conseguiu escapar à gloriosa tarefa de ter que começar a festa a enfardar na casa de um dos noivos antes de o acompanhar no seu trajecto ao altar, a Igreja é o grande início da festa do casamento e apresenta per si um rico manancial de rituais:

- O Freakshow – continuo a achar esta parte a mais interessante porque em cada casamento há sempre uma bela molhada de seres esquisitos (amigos e familiares dos noivos) que nós nunca vimos antes e que dão um colorido peculiar à cerimónia, com os seus fatos a cheirar a naftalina (invariavelmente dois números acima ou abaixo da medida do seu utilizador); os sapatos encerados de modo a encandear toda a tripulação de um boeing que passe por ali perto; os vestidos mais inexplicáveis com decotes e minissaias generosas sustentadas por saltos agulha que dificultam o andar no chão empedrado da igreja. Na fase de freakshow os mamíferos presentes trocam olhares e cochichos, medindo-se timidamente uns aos outros, avaliando as suas respectivas figuras tristes.

- O Sermão e as Leituras – onde por breves momentos toda a gente parece ter o dom da leitura, recitando aqueles repetitivos «discursos de São Paulo aos etruscos», ouvindo-se aqui e ali um choro de criança a ser levada rapidamente para fora da igreja por um dos seus sádicos pais. Se tivermos sorte, o que é raro, o padre é breve e contido e poupa-nos meia hora de seca a falar da incerteza dos dias de hoje, da crise das instituíções e da própria família, e da escassez de crentes praticantes abaixo dos 65 anos.

- O Arroz – o discurso do padre ditará a violência com que se atirará o arroz aos noivos. Se o padre nos deu uma seca, o mais provável é que pelo menos um dos conjuges nunca consiga recuperar totalmente de uma perfuração da retina.

- O Cortejo Automóvel – já vi carrinhas funerárias deslocarem-se mais depressa que um cortejo automóvel num casamento, o que torna a chegada ao Copo D’Água um verdadeiro suplício, principalmente durante a época de Verão. De salientar aqui dois aspectos: os carros estão sempre imaculados e reluzentes; e um grupinho de labregos irá invariavelmente perder-se do cortejo chegando muito depois dos petit fours.

Vou omitir propositadamente a parte das fotografias e das filmagens, porque geralmente não têm grande interesse na altura (embora saibamos que vamos ter de levar com elas mais tarde, quando os noivos chegarem da Lua de Mel).

No Copo D’Água
É considerada a segunda parte do filme, e aquela que apresenta variantes mais ricas. Digamos que a verdadeira festa começa realmente aqui.

- Os Petit Fours – ao chegarmos ao local do Copo D’Água somos presenteados com petit fours e aperitivos vários. Começa assim a verdadeira maratona de bebida e comezaina, havendo alguns convivas que ficarão alegremente etilizados nesta fase em estágio para a verdadeira bebedeira que se desenrolará a seguir, em todo o seu esplendor. Nesta fase o nível de álcool faz com que os convivas comecem a socializar entre si, perdendo alguma inibição inicial.

- O Arremesso do Bouquet – um momento crítico para as encalhadas de serviço a qualquer casamento. Já quentinhas com os aperitivos, este ritual assume um carácter de «vida ou morte» para cada uma das participantes, podendo originar traumatismos graves dependendo do grau de desespero das intervenientes.

- A Refeição Principal – aparte da velocidade com que a comida e a bebida desaparecem nesta fase, pouco há salientar, tirando talvez o ritual do bater em uníssono com um talher no copo, na tentativa de que os noivos se beijem. Existem variantes deste ritual, muito mais interessantes aliás, onde os convivas exigem que o pai da noiva beije violentamente a mãe do noivo (a maior parte das vezes sem qualquer sucesso aparente).

- O Charuto – como fumador habitual de habanos divirto-me a observar os mamíferos do sexo masculino a fumar o tradicional charuto depois da refeição principal. É impressionante a figura urso que se pode fazer a fingir que se sabe fumar charuto. Gosto particularmente do free style de espetar um palito pelo charuto adentro de modo a segurá-lo na boca trincando apenas o palito. São uns artistas.

- O Bailarico – na minha modesta opinião, o ponto mais alto da festa matrimonial. Nesta altura eles e elas perderam a compostura, desapertaram as gravatas, subiram as mangas e as saias, baixaram os decotes e dançam (muitas vezes descalças) como se não houvesse amanhã, fazendo de quando em vez um pequeno comboio de bêbados que circula por entre as mesas do recinto. Valentes trambolhões são coisa normal nesta fase, havendo variantes mais excitantes que envolvem cenas de desenfreada pancadaria entre maridos ciumentos na defesa das suas etilizadas e ziguezagueantes esposas, apalpadas sem dó nem piedade por indivíduos que ultrapassaram, em muito, os limites legais de consumo de substâncias entorpecentes.

- O Cortar do Bolo – é normalmente arrastado até ao último minuto possível por se saber que, depois dele, mais de metade dos convivas baza alarvemente dali para fora. Eu incluído (antes de dar a segunda dentada naquela fatia gigantesca e sensaborona já estou ao volante do carro para me pirar).

- A Ceia e o Pós Ceia – confesso a minha total falta de experiência nesta fase. Mas segundo me dizem é aqui que se inicia o próximo casamento, dado que são normalmente os encalhados que resistem até à Ceia na tentativa de desencalharem de uma vez por todas. A bebedeira normalmente baixa-lhes a fasquia dos critérios o que lhes abre uma possibilidade, mesmo que remota, de encontrarem (no mesmo estado etilizado) a «pessoa do resto das suas vidas».

Da próxima vez que forem a um casamento levem esta pequena lista e confiram. Esqueçam a parte da Ceia, mesmo que estejam encalhados. Mais vale ter critério.

2 comentários:

  1. Hahahahaha

    Que posso dizer? E tudo verdade. Especialmente quando eles se perdem no caminho ou gastam a maior parte do tempo a tirar fotos que nunca mais ninguem vai ver. Alias, para mim "casamento" e o nome errado. "Missa chata seguida de festa chata" aplica-se mais.

    Felizmente nunca sou convidada para casamentos por isso nao me posso queixar.

    "O Arremesso do Bouquet – um momento crítico para as encalhadas de serviço a qualquer casamento. Já quentinhas com os aperitivos, este ritual assume um carácter de «vida ou morte» para cada uma das participantes, podendo originar traumatismos graves dependendo do grau de desespero das intervenientes." - Uma das coisas mais engracadas que eu ja li.

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  2. Não há dúvida que tens piada!

    A verdade é que descobri o teu blog por acaso, pois vou casar em Setembro....
    Pois é...!
    Mas diverti-me bastante e há que saber rir de nós próprios!

    Hei-de passar a vir visitar-te mais vezes!

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