Este início de um novo milénio está a ser marcado por uma verdadeira crise de criatividade e imaginação. O resultado está à vista: a televisão torna-se um periscópio para a vida privada de uma série de gente; a publicidade anda pelas ruas da amargura, tão morninha e sem sal; o marketing das empresas deixou de ter qualquer estratégia que não seja a de dar descontos a torto e a direito; o mercado empresarial não arranja soluções para ganhar competitividade; as quarentonas encalhadas desataram a escrever livros sobre a vida sentimental das trintonas em vias de encalhanço (que vendem que nem paposecos); mas onde a coisa me enerva de sobremaneira é no domínio da arte.
A arte, que vive dessa capacidade humana de se autorecriar e autodesafiar, está uma verdadeira bosta intercontinental. Isto porque toda a gente acha que é capaz de produzir arte: um bocadinho à semelhança das quarentonas encalhadas que acham que sabem escrever livros só porque há milhares de atrasados mentais que são capazes de ler tudo o que se lhes põe à frente.
É neste contexto que surge um fenomenozinho de moda, chamado “a instalação”. A instalação artística está para a exposição de arte, como a bifana atascada em óleo está para os lombinhos de foie gras regados com Porto. Para fazer uma instalação é necessária uma sala mais ou menos ampla, de preferência num sítio de reputação cultural irreprimível, e um monte de tralha que é atirada ao acaso para o espaço que existe disponível: atire-se, por exemplo, um monte de bambus para um canto da sala, polvilhe-se com açucar mascavado e dê-se o título abstracto de “a infringibilidade secular” e pronto: tem-se uma instalação. Faça-se o mesmo com o resto de feijoada que ficou no fundo da panela de pressão da avó, chama-se de “gerontes esquecidos” et voilá, outra instalação. E depois é ver o artista (eu chamo-os de instaladores) de peito feito e a achar que aquela merda vale grande coisa; é ver a malta a pagar para ver aqueles estreptococos sublimados e a achar que foi enganada à grande e à francesa, mas a disfarçar para não parecer que não têm estatura cultural para entender uma coisa daquelas.
Uma vez que a instalação está ao alcance de todos, numa espécie de javardoso “do it yourself” artístico-bacoco, lembrei-me de fazer uma instalação diferente. Uma instalação viva, onde em vez de objectos e pedaços de porcaria, usaria pessoas à séria. Pensei em chamá-la de “Somalia Retumbante”: consistiria num grupo alargado desses instaladores clarividentes, nus e dispostos ao longo de uma sala, debruçados sobre vários tipos de mesas (para dar uma certa diversificação à coisa). Cada um dos instaladores seria paulatinamente sodomizado por uma tribo que efebos somalis devidamente untadinhos, que se revezariam obedientemente de hora a hora. A instalação concluiria todos os dias com os instaladores a serem transportados de cadeira de rodas para fora do recinto, agarrados a uma algália. Começo a achar que tenho jeito para isto…é preocupante...
13 de maio de 2005
A Razão da Instalação
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