20 de maio de 2006

Razões Hortículas

horticulas

Estou um bocadinho farto de ouvir tratar a nossa novela mexicana por “jardim à beira-mar plantado”. Na verdade isto não é mais do que uma horta mal cultivada, situada no esfíncter da Europa. Como qualquer horta, está povoada por uma variedade considerável de vegetais. O que não faltam por aí são vegetais. Comecemos pelo Chefe de Estado, um tipo ardiloso com uma cabeça em formato de nabo do Entroncamento. Passemos de seguida ao recém eleito governo, que consiste numa arroba de bróculos chefiados por uma banana, que tem como oposição um alqueire de laranjas bolorentas, dióspiros espapaçados e lentilhas ressequidas. O povo, essa amálgama de cabeças de alho chocho, sempre à espera de melhores dias, queixando-se do que tem e do que não tem, esperando que por obra e graça do Espírito Santo tudo resulte numa imensa e produtiva colheita que transforme a horta numa bela plantação.
Na horta impera o conformismo digno das sementeiras que nunca dão fruto, a imaginação do tamanho de uma ervilha, e a vitalidade de uma azeitona deixada a marinar em vinagrete. A horta já há muito que deixou de ser adubada, o que per si não constitui um problema dado que os vegetais residentes já fazem merda suficiente. As ervas daninhas proliferam viçosas, chamando um figo a cada parcela de terra que vão paulatinamente ocupando. Apenas um tipo de vegetais insiste em não singrar nesta horta, e toda a gente é peremptória em afirmar que é graças à sua ausência que as coisas chegaram onde chegaram. Falo-vos obviamente dos tomates. Já os houve, há muito tempo, mas isso foi chão que já deu uvas.

Publicado originalmente em Março de 2005

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