Decerto que por uma razão ou por outra já tiveram, a dada altura das vossas vidas, que entrar num notário. Se assim foi, suponho que tenham tido oportunidade de reparar que nem toda a gente pode ser funcionário de um cartório notarial. É uma profissão peculiar que exige um património genético muito particular e está sujeita a uma política de recrutamento espartana, capaz de criar inveja à Al Qaeda.
Antes de mais é preciso realçar com alguma veemência que não se estuda para ser notário – nasce-se notário, e pronto! É um pouco como os atletas de competição: os sprinters têm uma estrutura óssea e muscular diferente dos fundistas; os tenistas com serviços mais eficazes são dotados de uma altura acima da média e têm uns bracinhos mais compridos que os restantes mortais. Também os notários têm as suas características diferenciadoras: o seu cérebro, por exemplo, funciona a um ritmo mais lento (como observamos nos casos mais graves de paralisia cerebral) o que possibilita o armazenamento de dados de uma forma mais metódica.
Para terem uma ideia de como um notário percepciona a realidade à sua volta reduzam a velocidade de um DVD em cerca de 80%: t-u-d-o f-i-c-a m-u-i-t-o l-e-n-t-o e as vozes adquirem um tom grave e arrastado, sendo relativamente dificil de aprender o sentido das frases. Não se admirem portanto que os notários não percebam à primeira o que vocês lhes estão a querer dizer, principalmente vocês, os nervosinhos. E evitem falar devagar para se fazerem entender melhor porque assim é mesmo muito complicado para eles, e demora o dobro do tempo a processar.
A capacidade pulmonar de um notário é francamente mais reduzida que a de um indivíduo normal, impedindo o cérebro de funcionar mais rápido e cansando-os de sobremaneira enquanto fazem o seu rotineiro percurso secretária-balcão-arquivo. Aliás a rotina é aquilo a que um notário aspira desde os seus tempos de estagiário – com o passar do tempo eles vão construíndo carris imaginários que percorrem o todo escritório definindo os seus percursos possíveis. Um notário sénior já tem a sua rede rodoviária definida e move-se, lenta e religiosamente, em cima dos «seus» carris.
O facto de geneticamente possuírem um metabolismo estupidamente mais lento que todos nós, causa-lhes alguns problemas na fala (falam muito lento e muito baixo, sendo por vezes necessário encostarmos a orelha à sua boca – tarefa difícil e perigosa de desempenhar se tivermos um balcão à nossa frente) e problemas vários de concentração e coordenação: é muito vulgar observarmos um notário esgazeado a olhar para o infinito (é a chamada «pausa de hibernação» que, dependendo do seu estágio profissional, pode ocorrer várias vezes ao dia); vulgar é também a dificuldade que apresentam ao teclado de um computador ou de uma máquina de escrever. Os notários mais treinados conseguem atingir velocidades de 2 a 3 segundos entre uma tecla e outra.
Espontaneidade e improviso são conceitos totalmente desconhecidos pelos notários, e confrontá-los com algo inesperado pode ser perigoso dado que estes reagem violentamente – nunca se ostente uma folha de papel que não seja branca ou azul; nunca se apresente como documento oficial um passaporte em vez de um bilhete de identidade; nunca se ouse assinar algum documento a vermelho; e acima de tudo nunca se manifeste corporalmente de uma forma agitada – isso deixa-os nervosos, e o assunto que demoraria 2 horas a resolver poderá atingir uma duração de meses.
Para quem desespera sempre que se desloca a um cartório notarial deixo um pequeno truque que tornará a vossa vida, e a deles, mais fácil: cerca de 3 horas antes de entrarem no notário tomem 3 drunfes, o chamado «kit notário». E tudo fica mais fácil.
9 de setembro de 2005
A Razão do Notário
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