Criar uma seita não é difícil, basta conhecer relativamente bem os papalvos que queremos evangelizar, adequando o discurso aos seus medos, às suas ansiedades e às suas necessidades. E depois é como fazer sabonetes – ou apostamos no básico e temos o sabão macaco que dá para tomar banho e lavar a roupa, ou vamos para uma coisinha mais sofisticada acrescentando aloevera ou ginseng que dão a ilusão que, para além de lavar, fazem mais qualquer coisinha.
Uma condição sine qua non de qualquer seita bem sucedida é a figura do seu líder espiritual – mais uma vez recorro à analogia da loja de bairro e do hiper: quantos de vós conhecem pessoalmente o gerente do hipermercado onde fazem compras? E quantos conhecem o dono da vossa loja de bairro? O hipermercado passa muito bem obrigado sem que vocês lhe conheçam o gerente, a loja de bairro não. O dono da mercearia confunde-se com a mercearia, é a sua alma, tal como o líder espiritual de uma qualquer seita.
Por isso quando se limpa o sebo a um desses líderes (muitas vezes eles limpam o sebo a si próprios, fartos da fantochada que criaram) acaba a seita.
E depois temos os seguidores – uma seita com um líder espiritual e sem seguidores é um terrível aborrecimento (garanto-vos eu que sou o líder espiritual de uma seita alucinada, mas sem ninguém que me siga). Para se ser seguidor de uma seita não são necessárias grandes habilitações: basta querer acreditar em qualquer coisa. Convém ser uma coisa assim distante e inatingível tipo: estar à espera das naves venusianas do comandante Ashtar que vêm buscar todos aqueles que acreditam; ou esperar pelo Cometa para lhe saltar para a sua cauda e zarpar rumo à outra ponta da galáxia; ou ainda aguardar de caçadeira na mão (numa onda mais Koreshiana) que me apareçam um dia uns gajos com as letras FBI nas costas.
Acreditar em coisas tangíveis como sentir na nuca a respiração de Hale Berry num dia nublado não são suficientemente motivadoras (vá-se lá saber porquê) para granjear um número considerável de seguidores.
Uma coisa que contribui para criar um espírito de corpo numa seita é o vestuário: pode ser mais ou menos elaborado dependendo do grau de loucura dos participantes, mas convém que seja uniforme – tudo de tanga laranja e capuz negro por exemplo; ou vestes compridas mais clássicas com padrões estranhos. O que interessa mesmo é que todos se vistam de igual, tipo salesianos.
Finalmente, a parte mais importante das seitas: o financiamento. Uma seita que não tenha apoios financeiros não é uma seita, é um grupo de escuteiros com distúrbios de personalidade (um silogismo, portanto). O apoio financeiro de uma seita não é pêra doce, e depende do grau de exigência do seu líder espiritual. Normalmente o jacto particular e o Ferrari Testarrossa fazem parte do cerimonial, mas outros fringe benefits podem ser acrescentados dependendo da quantitade e qualidade dos seguidores. Neste aspecto as seitas aprenderam com a secular experiência da Igreja Cristã, hoje muito mais discreta mas igualmente eficaz na arte de sacar o seu indiscriminadamente, sem recibos ou quaisquer deduções à colecta.
Para todos os que acham que a política já não tem futuro, sugiro uma pequena reengenharia na actividade profissional: façam a vossa seita. Tax Free.
12 de outubro de 2005
A Razão da Seita
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